Milena de Jesus, 15 anos, acorda todos os dias às 6h e pega o ônibus no qual passa 20 minutos para sair da comunidade Fazenda Macaco, onde mora, até chegar ao Instituto Municipal Luiz Viana Neto, escola em que cursa o 8º ano do Ensino Fundamental no Centro de São Francisco do Conde, Região Metropolitana de Salvador (RMS).
Faz o esforço por acreditar que a educação poderá dar a ela e à família um “futuro melhor”, longe das desigualdades sociais com as quais se depara por sua origem humilde. Mas Milena se depara com uma limitação: a qualidade da educação que recebe. A escola em que estuda teve, em 2017, nota de apenas 2,8 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que mede a qualidade do aprendizado no ensino básico. O resultado é abaixo dos 4,7 registrados em todo o País naquele ano.
Os anos finais do Fundamental são o “calcanhar de Aquiles” da educação na cidade. Nos iniciais, o cenário é melhor, com nota 5 no Ideb de 2017. Nos últimos anos, o indicador cai para 2,6. A série histórica, iniciada em 2007, mostra que a cidade teve avanços nesse quesito até 2011, quando a nota foi de 3,3. Depois, inicia-se uma trajetória de queda sem recuperação.
Jucemilda Freitas, professora
Reconhecida como uma cidades mais ricas do Brasil, São Francisco do Conde é dona do maior PIB per capita (rendimento por pessoa) do estado, de R$ 296.459,35, também o terceiro mais alto do País, segundo dados de 2016 do IBGE. A arrecadação do município é impulsionada pelos recursos recebidos do governo federal por sediar a Refinaria de Landulpho Alves. Na educação, não falta dinheiro. Cada aluno custa R$ 6.608,69, o maior valor na Bahia, como aponta um estudo com dados de 2015 da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados.
O volume de recursos, no entanto, não tem conseguido melhorar os números da educação a passos largos. As dificuldades são além-finanças. Milena reclama, por exemplo, do formato das aulas na escola. “A discussão não é muito perto daquilo que a gente vive”, opina.
Coordenadora pedagógica do instituto, Ivonete Almeida de Jesus, 41 anos, diz que a escola está elaborando um novo projeto político-pedagógico (PPP) para deixá-la mais próxima da vivência dos discentes. “O objetivo é ter um olhar diferenciado para todos os setores sociais, trazendo a realidade para o PPP das escolas, para a sala, para o processo de aprendizagem”, explica.
Ivonete de Jesus, coor. pedagógica
Diagnósticos
O secretário municipal de Educação, Marivaldo do Amaral, pondera que a piora da qualidade nos anos finais é tendência nacional. E está certo. No Brasil, o indicador caiu de 5,6 (iniciais) para 4,3 (finais) em 2017; na Bahia, de 4,9 para 3,2.
Para a professora Maria de Lourdes Haywanon, do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), fatores variados explicam o fenômeno.
Um deles é a diferença na organização do Ensino Fundamental I e do II. “A rede do Fundamental I está mais próxima do aluno, porque é um professor para todas as disciplinas”, explica. Outra questão é a municipalização desta etapa do ensino, prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, quando estados repassaram para os municípios a responsabilidade de cuidar do Fundamental. “Na Bahia, de quatro anos para cá, houve um impulsionamento para que a lei seja cumprida. Pode ser um dos fatores, pois o município precisa ter tempo de assimilar essa mudança”, avalia.
Para o secretário, um dos fatores também é a evasão escolar, potencializada pelas desigualdades sociais. “Os alunos entram em uma fase da vida que abandonam a escola para trabalhar”, afirma. Para minimizar o problema, a secretaria tem feito busca ativa, indo até as residências dos alunos para convencer os pais da importância de manter os filhos estudando.
Outra ação da pasta é a formação continuada dos professores. O objetivo é desenvolver habilidades pedagógicas dos profissionais, já que, segundo o secretário, muitos deles não são preparados pelas universidades para lidar com necessidades dos alunos que vão além da aprendizagem. Para tornar a comunicação com o aluno mais “palatável”, a secretaria tem investido em linguagens, como teatro, música e dança no projeto Voarte.
Desigualdade impede educação melhor

Luciene de Jesus Borges, 34 anos, só estudou até a antiga 8ª série, atual 9º ano. Sabe das consequências de não ter recebido educação de qualidade. Está desempregada e sustenta a casa vendendo verduras.
Por crer que a filha Milena pode ter um futuro diferente, aposta nos estudos como possibilidade de transformação. Quer vê-la se formar em gastronomia, sonho da adolescente de 15 anos: “Quero que ela aproveite a chance que tive e não aproveitei. Ela é uma boa aluna. Sempre gostou de estudar”.
Números da educação
São Francisco do Conde: 3,8
Esta foi a média do município no Ideb de 2017. A cidade teve índice de 5,0 nos anos iniciais e de 2,6 nos anos finais do Ensino Fundamental
Salvador: 4,6
Esta foi a média da cidade no Ideb de 2017. O município teve índice de 5,3 nos anos iniciais e de 3,9 nos anos finais do Ensino Fundamental
A história da vendedora de verduras é retrato de como a desigualdade social pode piorar a qualidade da educação, mas também de como a educação pode reduzir as desigualdades.
Indivíduos sem boa formação tendem a sofrer mais com o desemprego. Pesquisas apontam que o adulto que teve apenas o ensino fundamental ganha, em média, 62% a menos do que aquele que finalizou o médio. A discrepância destes para os que concluíram um curso superior pula para 235%.
As disparidades sociais são desafio a ser vencido para melhorar os números da educação em São Francisco do Conde. Mesmo com o maior PIB per capita do estado, a cidade tem Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) médio, de 0,674, um indicativo de que a riqueza não tem sido tão bem distribuída.
A vulnerabilidade social dos alunos da rede municipal levou a prefeitura a lançar o programa Educa Chico, que fornece benefício anual de R$ 700 a R$ 1,2 mil às famílias dos estudantes, para incentivar a permanência deles na escola e reduzir a evasão. Os valores são escalonados e atrelados à média das notas dos discentes. Em 2017, 345 alunos receberam o benefício, segundo dados atualizados da prefeitura. A seleção para 2018 e 2019 ainda não foi aberta, já que o programa passa por reestruturação.
Vulnerabilidades
Maria de Lourdes Haywanon alerta que a situação de vulnerabilidade econômica e social precisa ser mais vista como problema a ser atacado para melhorar os resultados da educação. O desemprego provocado pela crise econômica acentua a piora. “Em bairros periféricos, com muita violência, esses jovens deixam a escola e assumem suas famílias. Pensar no ensino superior é um sonho muito distante para eles. Você percebe essa falta de perspectiva quando conversa com esse aluno”, lamenta.
“Alguns estão com pais desempregados, muitos não têm uma boa alimentação. Como é que você vai ter vontade de obter conhecimento com fome, trazendo a carga emocional dos problemas de casa?”, questiona Jucemilda Freitas, professora do Instituto Municipal Luiz Viana Neto.

Contrato de ônibus escolar custa R$ 2,7 mi
O transporte escolar de São Francisco do Conde funciona em um sistema misto com ônibus próprio da prefeitura (9 veículos) e de empresa contratada via processo de licitação.
R$ 2.777.999,76 é o valor do contrato anual com a Atlântico Transportes e Turismo Ltda. A empresa executa o serviço com 42 ônibus, sendo que 16 veículos são usados no transporte dos estudantes universitários. O pagamento do contrato é feito com verbas do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (Pnate) e recursos da prefeitura.
Ano passado, o Ministério Público do Estado (MP-BA) detectou irregularidades em um contrato que a Atlântico Transportes e Turismo Ltda. tinha com a a prefeitura de Senhor do Bonfim. De acordo com o MP, o serviço prestado era totalmente irregular, pois a empresa sublocava 100% do serviço. Os veículos utilizados no transporte escolar não pertenciam à empresa e os motoristas não possuíam com ela qualquer vínculo contratual.
De acordo com o secretário de educação Marivaldo do Amaral, a empresa cumpriu todas as exigências do edital da licitação. O secretário ainda informou que a prefeitura precisa complementar custos com o transporte. “Apenas a verba enviada pelo governo federal não é suficiente para manter o serviço. Complementamos com recursos próprios”, afirmou.
A Tarde
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