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Três meses após brilhantismo dos Jogos, o Rio abandona o Maracanã

 

 

Enquanto os turistas desembarcam, às dezenas, no asfalto fervilhante do entorno do Maracanã, tiram fotos ao lado das bilheterias, compram chaveiros e camisetas da seleção brasileira e aplaudem um imitador de Pelé, o que se vê do outro lado da grade é um estádio definhando em pleno abandono.

O gramado já não é regado e começa a ficar amarelo, há restos de pipoca, entulhos e garrafas por todo lado, cadeiras arrancadas e armazenadas como se fossem lixo e montes de móveis abandonados. Falta luz há uma semana, e os gatos, que sempre perambularam pelo templo do futebol brasileiro, tomaram o lugar, com seu típico cheiro de amoníaco.

 Longe ficou o brilhantismo das cerimônias de abertura e de encerramento dos Jogos Olímpicos, quando os brasileiros resgataram a sua autoestima como os anfitriões mais festivos do mundo. O que vem à lembrança, hoje, é o 1,3 bilhão de reais que custou a sua superfaturada reforma em 2013 para a Copa do Mundo e a comissão de 5% que o então governador do Estado do Rio de Janeiro, o hoje prisioneiro Sérgio Cabral, supostamente recebeu de pelo menos uma das empreiteiras que levaram o contrato.
O abandono do principal palco das grandes façanhas e de um fiasco histórico do futebol brasileiro é resultado do conflito entre duas partes que trocam acusações enquanto mantêm os braços cruzados: de um lado, o Comitê Rio 2016, responsável pela organização dos Jogos Olímpicos e com problemas de caixa para saldar suas dívidas, e do outro, a administradora do estádio, a Maracanã S.A., uma empresa pertencente à empreiteira Odebrecht, uma das responsáveis pela sua reforma e protagonista do maior escândalo de corrupção do Brasil.

O conflito começou quando a concessionária cedeu o estádio para a Rio 2016 de 30 de março a 30 de outubro para a organização e realização dos Jogos, sob o compromisso de devolvê-lo nas mesmas condições em que o encontrou. O acordo não foi cumprido, e a empresa, que se nega a aceitá-lo de volta, exige que sejam feitos os necessários reparos. A lista inclui desde a troca de janelas quebradas até a reposição de móveis, passando pela entrega de relatórios técnicos que demonstrem o nível de desgaste da cobertura do campo depois dos espetáculos pirotécnicos das cerimônias. “Na Copa do Mundo, houve uma queima de fogos de artifício que obrigou a FIFA a nos reembolsar 16 milhões de reais, já que a cobertura perdeu sua vida útil por causa do aquecimento. Nos jogos Olímpicos e Paralímpicos, houve quatro espetáculos com fogos. Essa cobertura aguenta 40 toneladas. Durante os Jogos, entre bandeiras e tudo o mais, suportou 180 toneladas. Não podemos aceitar o estádio de volta sem esse documento. Seria uma irresponsabilidade”, alegam fontes da concessionária.

O Comitê Rio 2016, por meio de seu porta-voz Mario Andrada, admite não ter cumprido o prazo, que expirou em 31 de dezembro, para fazer os consertos previstos em acordo, cujo valor, segundo seus cálculos, chega a 400.000 reais. Segundo Andrada, havia outras prioridades, como o reembolso de dinheiro aos torcedores que devolveram seus ingressos (a dívida nesse caso chegou a 60 milhões de reais) e pagar seus fornecedores que ainda esperam para saldar dívidas, não divulgadas, desde agosto. Andrada observa que o Comitê assumiu despesas de milhões de reais em reformas e em atualizar a manutenção de elevadores, escadas rolantes e do sistema de gás, e nega que não tenha apresentado os pareceres técnicos exigidos.

Diante de todos esses problemas, ninguém quer assumir a gestão do estádio. O Comitê afirma que o entregou de volta, e a empresa afirma que não o aceitou. Nos últimos meses, vários jogos chegaram a ser disputados, inclusive do Vasco, Flamengo e Fluminense, sem que se soubesse quem era o verdadeiro responsável pelo campo. “Quase todos os eventos aconteceram dentro da informalidade. Os clubes procuraram a concessionária, o Governo do Rio e o Comitê Rio 2016, e ninguém admitia ser o administrador do estádio. Há um erro original que explica o fato de o Maracanã ser um estádio sem dono e ele reside em que o Governo do Rio mantém um vergonhoso silêncio em todo esse processo”, escreveu o jornalista e comentarista esportivo do jornal O Globo Carlos Eduardo Mansur.

Nos bastidores do imbróglio, além das dificuldades financeiras do Comitê, há uma nova concessão para se escolher um novo administrador para o estádio, pois a empresa, que obteve em 2013 uma concessão de 35 anos, já não tem interesse em ficar com ele, muito menos em investir para fazer os reparos necessários e a manutenção que acredita não serem de sua responsabilidade neste caso. Quando a Odebrecht assumiu o Maracanã, sua intenção era transformá-lo em um enorme complexo esportivo, com um centro comercial, lojas, museu, estacionamento… Um negócio que se mostrava rentável. Mas o Governo do Estado, pressionado por movimentos sociais que se opunham à demolição das estruturas do complexo, como a pista de atletismo e a piscina que fazem parte dele, foi cancelando unilateralmente os acordos, limitando a exploração ao espaço do campo de futebol. “Nessas condições, ficando apenas o campo, não temos interesse”, dizem na empresa. “E com a crise que o Estado está vivendo, assim como o próprio Comitê, não temos nenhuma garantia de que, se assumirmos esses reparos, irão nos devolver o dinheiro”.