Um dia depois de o governo dos Estados Unidos (EUA) escalar a crise com o Brasil, por meio da adoção desproporcional da Lei Magntisky contra a mulher do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e da revogação do visto diplomático do advogado-geral da União, Jorge Messias, o presidente Lula proferiu discurso histórico na 80º Assembleia Geral das Nações Unidas, nesta terça-feira (23), em Nova York.
Ante as circunstâncias inéditas para a diplomacia brasileira, o petista começou reafirmando os valores universais da democracia e do multilateralismo. Sem mencionar os nomes do presidente estadunidense, Donald Trump, nem de Jair Bolsonaro, Lula condenou duramente a extrema direita ideológica, responsável pelo que chamou de “uma desordem internacional”.
“Atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais estão se tornando regra”, lamentou. “Existe um evidente paralelo entre a crise do multilateralismo e o enfraquecimento da democracia. O autoritarismo se fortalece quando nos omitimos frente a arbitrariedades. Quando a sociedade internacional vacila na defesa da paz, da soberania e do direito, as consequências são trágicas”, prosseguiu.
Em seguida, Lula exaltou a união das forças democráticas no Brasil, que teimam em defender o regime retomado nos anos 1980, e mencionou diretamente os embargos às autoridades brasileiras e à economia do país.
“Mesmo sob ataque sem precedentes, o Brasil optou por resistir e defender sua democracia, reconquistada há quarenta anos pelo seu povo, depois de duas décadas de governos ditatoriais. Não há justificativa para as medidas unilaterais e arbitrárias contra nossas instituições e nossa economia. A agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável”, rebateu o petista, logo antes expor o caso de Bolsonaro aos líderes das Nações Unidas.
“Falsos patriotas arquitetam e promovem publicamente ações contra o Brasil. Não há pacificação com impunidade. Há poucos dias, e pela primeira vez em 525 anos de nossa história, um ex-chefe de Estado foi condenado por atentar contra o Estado Democrático de Direito. Foi investigado, indiciado, julgado e responsabilizado pelos seus atos em um processo minucioso. Teve amplo direito de defesa, prerrogativa que as ditaduras negam às suas vítimas”, apontou Lula.
O presidente ainda recebeu aplausos da Assembleia Geral quando elogiou o trabalho do STF, sem também citar os nomes dos ministros. Há pouco mais de 10 dias, Bolsonaro foi condenado pela Primeira Turma do Supremo a 27 anos e três meses de cadeia por conspirar contra a democracia, com base na lei sancionada pelo próprio extremista de direita.
“Diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos a autocratas e àqueles que os apoiam: nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis. Seguiremos como nação independente e como povo livre de qualquer tipo de tutela”, resumiu Lula.
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Combate à fome
O discurso histórico do presidente abordou outros assuntos, além das agressões da extrema direita. Lula lembrou que o Brasil deixou novamente o Mapa da Fome e da Pobreza da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2025, graças aos esforços do governo federal. Para o presidente, a vulnerabilidade social é tão perniciosa para a democracia quanto o sectarismo.
“Democracias sólidas vão além do ritual eleitoral. Seu vigor pressupõe a redução das desigualdades e a garantia dos direitos mais elementares: a alimentação, a segurança, o trabalho, a moradia, a educação e a saúde. A democracia falha quando as mulheres ganham menos que os homens ou morrem pelas mãos de parceiros e familiares. Ela perde quando fecha suas portas e culpa migrantes pelas mazelas do mundo”, observou.
“Por isso, foi com orgulho que recebemos da FAO a confirmação de que o Brasil voltou a sair do Mapa da Fome neste ano de 2025. Mas no mundo, ainda há 670 milhões de pessoas famintas. Cerca de 2,3 bilhões enfrentam insegurança alimentar. A única guerra de que todos podem sair vencedores é a que travamos contra a fome e a pobreza. Esse é o objetivo da Aliança Global que lançamos no G20, que já conta com o apoio de 103 países”, acrescentou Lula.
Regulação digital
Mais adiante no discurso, o presidente fez referência à influência disruptiva das plataformas digitais, que, segundo ele, deveriam servir para aproximar as pessoas. “Mas têm sido usadas para semear intolerância, misoginia, xenofobia e desinformação”, criticou.
“A internet não pode ser uma ‘terra sem lei’. Cabe ao poder público proteger os mais vulneráveis. Regular não é restringir a liberdade de expressão. É garantir que o que já é ilegal no mundo real seja tratado assim no ambiente virtual. Ataques à regulação servem para encobrir interesses escusos e dar guarida a crimes, como fraudes, tráfico de pessoas, pedofilia e investidas contra a democracia”, pregou o petista.
Lula também propôs a construção de uma governança multilateral, em linha com o Pacto Digital Global, visando mitigar os riscos da inteligência artificial.
Veias abertas
Enquanto maior e mais rico país latino-americano, o Brasil lidera o continente, em sintonia com as aspirações do chamado “Sul Global”. Foi isso que Lula deixou expresso à Assembleia Geral. Ele enumerou os principais problemas da região e como devem ser encarados. “É preocupante a equiparação entre a criminalidade e o terrorismo”, indicou.
“Na América Latina e Caribe, vivemos um momento de crescente polarização e instabilidade. Manter a região como zona de paz é nossa prioridade. Somos um continente livre de armas de destruição em massa, sem conflitos étnicos ou religiosos”, descreveu. “A forma mais eficaz de combater o tráfico de drogas é a cooperação para reprimir a lavagem de dinheiro e limitar o comércio de armas.”
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