Quando descia o Morro do Salgueiro, na Zona Norte do Rio, para ir ao trabalho, Vinícius Agrícola, de 20 anos, foi surpreendido pelos fuzis de cinco policiais. Sem pensar duas vezes, o jovem levantou os braços para mostrar que estava desarmado e não representava perigo. Após ser liberado pelos agentes, o mal-estar que a abordagem lhe causou não demorou a se instalar.
— Desci, passei por eles e, quando sentei no ônibus, fiquei muito tenso. Porque eles poderiam ter atirado antes de perguntar. Fiquei uma semana com medo, pensando no que aconteceu. Foram três segundos que pareceram três horas e meia.
A situação enfrentada por Agrícola é o retrato de um país onde pessoas negras formam o grupo mais exposto à violência e aquele que mais morre por homicídio. De acordo com a pesquisa “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de violência letal entre jovens pretos ou pardos de 15 a 29 anos foi de 98,5%, em 2017. Entre jovens brancos, o índice cai para 34%. No mesmo ano, o número de homicídio na população negra foi de 69,9 mortes por 100 mil jovens.
Ainda segundo o IBGE, uma pessoa negra ou parda tinha 2,7 vezes mais chances de ser assassinada do que uma branca. E essa tendência não mostra sinais de desaceleração. A série histórica indica que, entre 2012 e 2017, a taxa de homicídio nesse grupo passou de 37,2 para 43,4 por 100 mil habitantes.
De acordo com Edu Carvalho, jornalista e ativista social na Rocinha, comunidade da Zona Sul do Rio, os três séculos de escravidão ajudam a explicar esses números elevados.
— A escravatura é determinante no processo de genocídio do negro no Brasil. E isso continua a acontecer porque a escravidão é nossa maior chaga. A gente não lidou com esse problema depois da ‘abolição’. Na verdade, há que se fazer a primeira abolição ainda — afirma Carvalho.
Em seu cotidiano, Agrícola percebe que estereótipos e preconceitos o tornam mais vulnerável a situações de violência.
— A minha mãe tem medo que eu circule à noite porque as pessoas podem achar que sou um ladrão. Quando estou de carro ou de moto, fico tenso, porque os policiais podem achar que sou um bandido e atirar antes de perguntar — diz o jovem, que relata ter sido parado pela polícia quatro vezes em período de apenas seis horas.
Violência psicológica
A exposição de pessoas negras à violência gera outras consequências além das elevadas taxas de homicídio. Segundo a pesquisa do IBGE, esse grupo está mais propenso a desenvolver transtornos emocionais, como depressão e ansiedade. Carvalho faz coro a esses resultados, mas acrescenta que o processo de adoecimento emocional de pessoas negras costuma ser negligenciado.
Agrícola concorda que a violência pode assumir diferentes faces e, de fato, gerar impactos emocionais. O jovem considera que o racismo cotidiano, aquele que é expresso no olhar e na atitude das pessoas, é uma das principais formas de agressão ao negro:
— Nem sempre o preconceito acontece quando alguém te chama de macaco. Eu trabalho na Zona Sul e, quando vou almoçar com meus colegas, percebo o modo como as pessoas brancas me encaram nos restaurantes, como se questionassem por que estou ali. Isso gera um desconforto e fico pensando o que estou fazendo ali. Não sei se vou embora ou permaneço (no local). Mas aprendi a ter coragem para ocupar esses espaços. Eu também mereço estar na Zona Sul (do Rio) — afirma o universitário.
O Globo
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