“A transferência não é lá, não. Faz aqui. Tem que ir ali, no Fórum Eleitoral, na avenida Zé Falcão. Dê entrada. Salvador é 1ª Dires [Diretoria Regional de Saúde]. Então, ela precisa ter o título da 2ª Dires, da região de Feira.”
Investigado pela Polícia Federal sob suspeita de corrupção eleitoral, o deputado estadual Targino Machado (DEM) foi filmado em uma conversa em que orienta uma futura paciente a mudar o domicílio eleitoral da capital para Feira de Santana —cidade na qual ele dá plantão como médico, segundo diz, numa associação filantrópica.
Em um dos vídeos aos quais o site Bocão News teve acesso, Targino aparece em um consultório na companhia de três mulheres, uma delas na perspectiva de onde a gravação foi feita.
“Ela quer fazer a laqueadura. Ela vem morar em Feira. Está pretendendo vir até o fim do ano. Vinte e nove anos, três filhos. Vêm ela e o marido para cá e ela quer fazer a laqueadura”, explica uma das mulheres, ao pedir informações para uma amiga que deseja ser atendida no local. No vídeo divulgado , ela será identificada como “acompanhante”.
Em meio ao processo de triagem, uma peça de decoração chama atenção. “Targino Machado, Falou, tá falado”, lê-se em um banner que mais remete a um slogan de campanha. Targino é pré-candidato à reeleição no pleito de outubro.
Num outro vídeo (veja abaixo), um homem ligado ao suposto esquema de cirurgias identifica-se como Mário. Sem desconfiar que estava sendo gravado, ele recomenda a um interessado que procure uma pessoa de prenome Eric. O local indicado: Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
“O nome da pessoa no TRE é Eric. Ele só atende por agendamento. O que é que você faz? Quando você passar pelo portão, você vai dizer assim: ‘Eu estou agendado’. Você chega lá 10h da manhã. Agora, é ela [a paciente] que tem que ir. Você diz assim: ‘Mário me mandou aqui’. Ela vai esperar e dar uma senha. Ela vai esperar um pouquinho, mas o importante é que vai ter a senha dela. Pode chegar lá entre 9h e 11h. Mas ela vai chegar dizendo que já está atendida, senão ela não passa do portão”, detalha.
Auditoria do SUS aponta ‘práticas clientelistas’
Documentos obtidos pelo o próprio site Bocão News acerca de uma auditoria do Sistema Único de Saúde (SUS) revelam que as filmagens datam de outubro de 2017 a janeiro deste ano. À época, as gravações foram entregues à Ouvidoria do órgão por meio de uma denúncia anônima.
Conforme as apurações concluídas naquele mesmo mês, Targino, “mediante cobrança de título de eleitor”, encaminhava pessoas que o procuravam para serem atendidas em unidades de saúde nos municípios de Cachoeira e São Félix —ambos no recôncavo baiano.
Os registros, destaca a auditoria, mostram todo o processo de captação de pacientes. O translado de Feira para as cidades vizinhas ocorriam em uma van plotada com o nome do deputado.
O SUS identificou que esse fluxo ‘furava’ a fila de regulação do estado, tomando a vez de quem aguardava por uma vaga pelas vias legais.
A auditoria também afirma ter encontrado cópias e certidão de quitação eleitoral nos prontuários de pacientes procedentes de Feira de Santana e que eram atendidos no Hospital Municipal de Pompeia, em São Félix.
“Causou estranheza aos auditores o elevado percentual de prontuários com os mesmos endereços (mesmo nome de rua). Do total de prontuários de pacientes provenientes de Feira de Santana analisados (624), cerca de 93% referia-se a moradores de apenas oito endereços daquela cidade”, diz trecho do documento.
Quanto aos profissionais que prestavam atendimento a pacientes de Feira, a auditoria apontou que o médico Tarcísio Torres Pedreira, filho de Targino, também realizou procedimentos recomendados pelo pai. Até a publicação do texto, a reportagem não havia conseguido contato com Torres.
De acordo com o SUS, tais irregularidades configuram “desvios nos processos de regulação do acesso ao serviços públicos de saúde”. “Sugerem a existência de prática clientelistas por pessoas físicas com objetivos recônditos”, reitera.
PF pede abertura de inquérito ao MP Eleitoral
Em junho, Polícia Federal encaminhou ao Ministério Público Eleitoral um pedido de abertura de inquérito “para apurar os fatos narrados nos documentos que noticiam possível corrupção eleitoral perpetrada pelo deputado estadual Targino Machado”.
Procurado, o deputado Targino Machado informou, por meio de sua assessoria, que não iria se posicionar sobre as acusações por não ter conhecimento do conteúdo do vídeo.
Em recente entrevista, o deputado atribuiu a investigação da PF ao que ele chama de “perseguição” do secretário de Segurança Pública, Mauricio Barbosa —a quem já chamou de “bandido, desonesto e corrupto”. Após as declarações, Barbosa entrou com uma representação criminal contra o deputado, imputando-lhes práticas de calúnia, injúria e difamação.
Clínica clandestina
Na terça-feira (18), uma ação da Vigilância Sanitária, subordinada à Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), fechou uma clínica clandestina em Feira de Santana. Atribuído ao deputado, o estabelecimento não possuía alvará de funcionamento nem credenciamento do Conselho Regional de Medicina na Bahia (Cremeb).
Em nota encaminhada, a Sesab diz que o fechamento do estabelecimento ocorreu após a Ouvidoria SUS receber denúncia anônima de que ali eram atendidos pacientes em diversas especialidades, bem como o seu uso eleitoral’. Targino nega.
À frente do serviço de regulação, a pasta afirma que a auditoria do órgão apurou as supostas irregularidades que, afirma, ainda encontram-se sob sigilo. A secretaria diz ter encaminhado um relatório para o Ministério Público instaurar investigação na área eleitoral.
“A operação de fiscalização, que contou com a participação da Polícia Militar, constatou irregularidades, como o manejo inadequado de resíduos e receitas médicas pré-carimbadas e assinadas, dentre outras. A operação teve início às 6 horas e flagrou diversos pacientes sendo atendidos. O estabelecimento localizado na Rua Aeroporto, número 571, no bairro George Américo, possui consultórios de ginecologia, oftalmologia e cirurgia geral. O relatório de autuação foi enviado ao MPE”, acrescenta o comunicado da Sesab.
Conselho de medicina abrirá sindicância
O Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb) informou, também em nota, ter tomado conhecimento do referido caso por meio de denúncia protocolada na entidade pela Sesab.
O Cremeb diz que instaura uma sindicância para apuração dos fatos, investigação que segue sob sigilo.
Conforme o conselho, o procedimento pode resultar na instauração de um processo ético ou em arquivamento, mediante análise dos elementos reunidos.
“Em caso de instauração de um processo ético, ao profissional pode ser aplicada a absolvição ou algum dos cinco tipos de penalidades: advertência confidencial em aviso reservado, censura confidencial em aviso reservado, censura pública em publicação oficial, suspensão do exercício profissional por até 30 dias ou cassação do exercício profissional”, ressaltou a entidade, que diz repudiar “veementemente toda intervenção médica que esteja condicionada a troca de favores e/ou benefícios pessoais ou políticos”.
“O artigo 20 do Código de Ética Médica enfatiza ainda que é vedado ao médico. Permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade”, acrescentou.
Homem explica como funciona suposto esquema para transferência de títulos; assita ao vídeo
Bocão News
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