Todos dos dias quando sai de casa para trabalhar, o músico Orlando Flores, 36 anos, usa um aplicativo para decidir qual caminho pegar para chegar ao destino. Ele mora no Garcia e trabalha na Liberdade. São três rotas possíveis, e as três sempre estão congestionadas. Não é por acaso. Em julho, Salvador atingiu a marca de mais de 1 milhão de veículos nas ruas. Mais exatamente: 1.004.034.
Segundo dados do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-BA), são mais de 665 mil carros e 142 mil motocicletas que trafegam pelas ruas e avenidas da capital. Caminhonetas somam 118 mil, além de 22 mil caminhões. A cada mês 1,9 mil novos veículos são cadastrados – a média é de 1 para cada 3 soteropolitanos. Em todo o estado são 4,4 milhões de veículos.
Em alguns pontos da cidade, nem precisa mais de horário de pico para engarrafar. Qualquer hora é hora. E por mais que se façam intervenções para melhorar o trânsito, o volume de veículos circulando não para de crescer. Orlando percebeu isso no trajeto que faz todos os dias e acredita que a rotina do município também corrobora com o congestionamento.
“No Garcia, onde eu moro, tem três escolas e, no horário em que os estudantes estão chegando ou saindo, fica impossível trafegar porque não há organização no trânsito. Já tentei deixar o carro em casa para economizar gasolina e usar serviços como táxi e uber, mas os motoristas não conseguem chegar. Fica tudo travado. Além disso, tem as obras que a gente encontra pelo caminho”, afirmou.
Segundo a Transalvador, os pontos mais caóticos da cidade são as ruas Cardeal da Silva (Federação) e D. João VI (Brotas), a Avenida Tancredo Neves e a Ligação Iguatemi – Paralela (LIP), no sentido Rodoviária. Para o superintendente da pasta, Fabrizzio Muller, o comportamento de alguns motoristas colabora para os engarrafamentos.
“Na subida do viaduto Nelson Dahia, por exemplo, quem vem da Avenida Paralela para seguir para a Avenida Tancredo Neves tem duas faixas, porque o viaduto só tem duas faixas, mas tem motoristas que formam uma terceira fila. O resultado é o engarrafamento nas outras faixas da via”, disse.
Ele contou que algumas obras estão em execução para melhorar o tráfego, mas defende que é preciso medidas que ajudem a restringir a quantidade de carros nas ruas. Fabrizzio acredita que isso só será possível com uma mudança comportamental da população e com investimentos em transporte público e outros modais (confira abaixo).
Desde julho, Salvador entrou para a lista das oito capitais onde a frota de veículos supera o número de 1 milhão. A mais motorizada é São Paulo, que atingiu a impressionante marca de 8 milhões. Ela é seguida pelo Rio de Janeiro (2,8 milhões), Belo Horizonte (2,1 mi), Brasília (1,8 mi), Curitiba (1,5 mi), Fortaleza (1,1 mi) e Goiânia (1,1 mi). Esses dados são do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e são referentes a junho deste ano.
Trânsito na Avenida Bonocô (Foto: Betto Jr./ CORREIO) |
Para os especialistas, o crescimento no número de carros e motos é uma tendência nas capitais brasileiras por conta de deficiências do transporte público, da insegurança e das facilidades de compra de novos veículos. As consequências são congestionamentos cada vez maiores e falta de vagas de estacionamento.
Paciência
Especialista em educação, legislação, inteligência emocional no trânsito e segurança viária, Rodrigo Carvalho acredita que existe uma supervalorização da máquina estimulada pelas mídias e que motiva as pessoas a comprarem. As razões são maior conforto, mobilidade e reconhecimento social, o que leva os indivíduos a incluírem o carro ou a motocicleta entre as suas necessidades.
“Esse crescimento no número de veículos já era esperado porque, atualmente, o índice de violência tem crescido muito na cidade, principalmente, em assalto a coletivo e transeuntes. Apesar das melhorias no transporte público, como o metrô, novos modais e a integração, as pessoas ainda se sentem inseguras e isso faz com que elas procurem o veículo individual de transporte”, disse.
Autor do livro Educação Emocional no Trânsito, Rodrigo acredita que uma solução é realizar campanhas que estimulem a maior atenção na formação dos condutores no Brasil. Segundo o especialista, a matemática é simples: mais carros geram mais congestionamentos e mais estresse. O resultado é menos paciência e aumento da violência no trânsito.
“A gente precisa começar a desenvolver a tolerância, a empatia de se colocar no lugar do outro. São habilidades emocionais fundamentais para condutores de grandes cidades. Se continuarmos nesse ritmo de falta de respeito e banalização da violência, vamos transformar um problema que já incomoda, os congestionamentos, em algo muito pior, com violência, insegurança, medo e ansiedade. Precisamos começar a prevenir isso e discutir essas questões de forma mais ampla”, afirmou.
A especialista em trânsito Cristina Aragon afirmou que é preciso estimular as pessoas a abrir mão do carro em prol da coletividade, mas ela acredita que enquanto o transporte público não passar por melhorias, a população vai resistir em fazer essa mudança.
“O crescimento da frota em Salvador vem acontecendo na última década de uma forma bastante significativa. O que a gente pode esperar é uma piora no trânsito, principalmente porque ainda não temos uma priorização do espaço viário para os transportes públicos, ao contrário, o que a gente vê é o estímulo ao transporte individual. Mais carros, mais engarrafamentos. Isso é inevitável”, afirmou Cristina.
Ela defende a criação de rodízio, proibição de tráfego de veículos de passeios em alguns locais e pedágio urbano. “É uma medida muito acertada desde que a arrecadação seja investida na melhoria do transporte público. Enquanto isso não acontecer, vamos continuar presos no congestionamento”, disse.
Em 1989, Salvador tinha 207 mil veículos. Em 1999, eram 671 mil. Agora, são 1.004.034. De janeiro a julho deste ano, o crescimento de novos cadastros no Detran-BA foi de 15,1%, ou 13.669 novos veículos trafegando na cidade.
Rodízio não faz parte dos planos da cidade
Em São Paulo, capital que tem 8 milhões de veículos, a prefeitura criou um sistema de rodízio para tentar reduzir os congestionamentos que a cada ano ficam maiores. Em Salvador, o superintendente da Transalvador, Fabrizzio Muller, defende que essa é uma medida paliativa.
“Não acredito que o rodízio seja a solução. Ele resolve em um primeiro momento, mas incentiva a compra de um segundo carro, como já acontece com outras cidades. É preciso restringir o uso do veículo individual, mas antes do pedágio urbano, por exemplo, é necessária uma mudança comportamental. As melhorias no transporte público que estão sendo feitas pela prefeitura e os novos modais são alternativas”, afirmou.
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