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Mortes em acidentes com moto aumentam 35,7% este ano em Salvador

Manhã de domingo e tudo parecia tranquilo no trânsito de Salvador, mais especificamente na Avenida Vasco da Gama. Sem congestionamentos e com fluxo pequeno de veículos, um acidente mudou o cenário de movimento pacato por volta das 9h do último dia 3 de março. Um motociclista em alta velocidade, segundo testemunhas, atropelou um pedestre que atravessava a via próximo ao acesso ao Vale da Muriçoca, no sentido Rio Vermelho. Ambos morreram no local, e o pedestre chegou a ter uma perna decepada.

O caso, que chamou atenção pela violência, acende o alerta para um problema que tem preocupado autoridades de trânsito e especialistas: o crescimento no número de ocorrências e vítimas de acidentes com motocicletas. Em Salvador, a quantidade de mortes em casos envolvendo motocicletas aumentou 35,7% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2018.

Dados da Superintendência de Trânsito de Salvador (Transalvador) revelam que, entre janeiro e março de 2019, foram registradas 19 vítimas fatais, enquanto no ano passado foram 14 casos. Por outro lado, a quantidade de acidentes envolvendo motociclistas teve uma leve redução de 2% – saiu de 642 ocorrências para 629 se comparados os dois recortes temporais. Apesar da queda, são, em média, incríveis 20 acidentes por dia, apenas de moto, este ano em Salvador.

O aumento no número de mortes vai na contramão dos dados de vítimas fatais no trânsito em Salvador nos últimos anos. Na capital baiana, a quantidade de óbitos caiu de 266 em 2010 para 121 em 2017 – no ano passado, a tendência de queda continua: foram 114 mortes.

Frota maior
Segundo a Transalvador, o aumento na frota de motos registrado nos últimos anos associado à imprudência estão relacionados a este crescimento no número de mortes. Na capital baiana, o volume de motocicletas cresceu pouco mais de 5% desde o ano passado – saiu de 127.673 em janeiro de 2018 para 135.132 em fevereiro deste ano. Contudo, um fator novo observado pelo órgão de trânsito é o processo apelidado de ‘uberização’ provocado pelos aplicativos de entrega.

A utilização de motos para atuar nestas plataformas – como Rappi, Uber Eats e Ifood – tem sido um fator que influencia no número de acidentes, embora a Transalvador ainda não consiga dimensionar o tamanho do impacto. “Ainda não temos um dado específico. É um fenômeno que estamos observando inclusive em outras cidades do mundo. Hoje, o motociclista que não tem prática compra uma moto e se habilita nessas plataformas de delivery”, avalia o superintendente da Transalvador, Fabrizzio Muller.

“Ele ganha um percentual pelo que entrega, é avaliado pela rapidez. Isso acaba estimulando uma direção mais perigosa, maior velocidade e desrespeito às regras”, complementa Muller.

Em São Paulo, por exemplo, técnicos da prefeitura fizeram a mesma observação ao analisarem o aumento de 18% no número de motociclistas em 2018 comparado a 2017. Por lá, a avaliação foi que a alta está ligada ao crescimento dos aplicativos de entrega por motoboys, que premiam com mais dinheiro quem faz mais viagens.

Os locais com maior volume de acidentes com moto são as grandes avenidas da capital baiana. Na ponta, estão as avenidas Luis Viana, a Paralela (com 52 casos este ano), Octávio Mangabeira (com 35) e Afrânio Peixoto, a Suburbana (26). O maior número de mortes, contudo, foi na Vasco da Gama, com três casos entre janeiro e março. Para Muller, isso está associado à velocidade.

“Estudos mostram que, em uma velocidade de 40 quilômetros por hora, a chance de morte num acidente é de 40%. Entretanto, se a velocidade aumentar para 50 quilômetros por hora, a chance de morte dobra e vai para 80%”, diz ele. Na Paralela, a velocidade máxima permitida é de 80 quilômetros por hora, enquanto nas demais é de 70.

Volume de motos em Salvador cresceu 5% do ano passado para cá
(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Já a avenida Vasco da Gama foi a que registrou mais mortes: foram três casos no primeiro trimestre desse ano. Segundo Muller, isso não significa que a Vasco é uma via das mais perigosas. “Foram fatalidades”, diz, ao lembrar do caso já citado em que um motoclista atropelou um pedreste, o que causou a morte de ambos. A via registrou 13 acidentes no período.

Muller lembra que, inclusive, os motociclistas e pedestres são os principais focos da campanha Maio Amarelo – mês escolhido para aprofundar temas relacionados à preservação da vida no trânsito. Na última sexta-feira (3), a Transalvador promoveu uma palestra no Instituto Brasil Itália (Icbie), na Ribeira, com foco nestes dois grupos.

Já na última terça-feira (7), agentes da Transalvador participaram de uma palestra, ministrada pela especialista em Gestão de Trânsito, Miriam Bastos, cujo objetivo foi reforçar o entendimento dos profissionais sobre a importância da campanha para os agentes e condutores de veículos.

Legislação
Para especialistas, um ponto que precisa ser melhorado na legislação de  trânsito para prevenir os acidentes com moto é a formação de condutores.

“A formação precisa ser aprimorada, de fato. Hoje, só tem aquele teste de  rua, mas precisa ser mais específica para que anda de moto. Ela acaba  sendo muito focada no carro. É um ponto frágil”, argumenta a engenheira  de tráfego Cristina Aragon.

Fabrizzio Muller concorda: “Esses cursos têm  que ser melhor pensados no sentido de darem atenção maior ao  motociclista”, diz. Para Antonio Meira, essa formação deve ser aprimorada  levando em conta as especificidades da moto, que é menos visível no  trânsito e compete espaço com veículos maiores.

Aprendizados
Quem sofreu um acidente de moto garante que há aprendizados. É o caso  do estudante Juan Dias, 21 anos, que, no ano passado, se acidentou da  maneira mais inesperada possível. Foi no Engenho Velho de Brotas, onde  mora, saindo de casa para ir ao trabalho quando se deparou com um  pedestre distraído atravessando a rua.

“Foi muito rápido. Eu nem estava  corrrendo, por sorte. Estava indo na minha e ele atravessou a rua sem  olhar, desviei rápido, mas não consegui controlar a moto”, conta ele, que  teve lesões nos braços e pernas. “Fica o aprendizado de estar sempre  atento. Sempre me paro pensando que, se estivesse em alta velocidade,  poderia ter sido muito pior”, completa.

Rogério Dias sofreu um acidente em 2001 e tem evitado motos desde então: “mais vulnerável”
(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)

Com o major do Corpo de  Bombeiros Rogério Dias, 41 anos, o caso foi na BR-101, na região de Itabuna, em 2001. Em  um trecho em más condições, a moto caiu em um buraco. A queda  provocou uma fratura na perna. Hoje, ele diz que evita usar moto.

“É  sempre mais vulnerável em um acidente, principalmente nas grandes  cidades. A disputa por espaço torna a relação com motociclistas bem  complicada. O motociclista fica expremido entre carros”, afirma ele, que  mantém uma rotina de atividades físicas constantes.

“Quando deixo de  fazer, as dores são frequentes”, revela ele. Embora não tenha ficado com limitações físicas, Dias conta que teve passar por cirurgia e ficou afastado do trabalho por seis meses.

Justamente por tudo isso, ele diz que evita utilizar moto. “Logo depois do acidente, vendi a moto, e hoje procuro não usar mais. É um veículo muito vulnerável”.

 

 

 

 

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