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Julho das Pretas: mulheres negras querem combater o discurso de ódio

Para muitas mulheres negras, o dia 25 de Julho é uma data não só para celebrar a resistência vivida pela população negra feminina, mas também para se engajar no combate ao racismo e machismo. O Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela é marcado por marchas do Movimento Negro protagonizadas pelas vozes femininas que pedem por respeito e o direito de serem representadas na sociedade. Mas, para além disso, essas mulheres querem também ‘hackear’ o sistema.

A ativista e estudante de jornalismo Joyce Melo, 20 anos, se considera uma “Preta Hacker”. Segundo ela, o hacker é aquele que consegue obter soluções inovadoras e se dedicam para ultrapassar os desafios que lhes são impostos. Pensando nesse significado, Joyce acredita que todas as mulheres negras são “pretas hackers”.

“De acordo com as estatísticas e o histórico de colonização, escravização e machismo, nós nem deveríamos estar vivas. Queremos mostrar que além de estarmos sobrevivendo, também existimos e estamos desenvolvendo iniciativas e integrando lugares que não foram pensados pra nós. Mesmo assim nós invadimos, hackeamos e modificamos as estruturas”, explicou.

A jovem se engaja na luta racial desde os 13 anos de idade, quando começou a participar de movimentos de poesia e saraus. “Foi o que me chamou para a importância de valorizar nosso lugar no mundo e nossa estética. Comecei a perceber que meu cabelo é lindo sendo crespo e não precisava mais alisar para me sentir bonita”, afirmou ela, que atualmente faz parte do time de Embaixadores da Juventude do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), da Organização das Nações Unidas (ONU). “A minha estética fala e é fundamental para fazer política. Como disse Yzalú [cantora], são como letras de um documento que mantém vivo o maior crime de todos os tempos”, completou.

Um estudo feito na Universidade de Southampton, na Inglaterra, pelo pesquisador brasileiro e PHD em Sociologia Luiz Valério Trindade, constatou que 81% das vítimas do discurso de ódio na internet são mulheres negras entre 20 e 35 anos. A pesquisa fez um levantamento que incluiu 224 artigos jornalísticos que abordavam casos de racismo nas redes sociais entre 2012 e 2016 no Brasil.

Baseando-se nessa realidade, Joyce Melo desenvolveu, com Brenda Cruz e Hellen Nzinga, o Projeto Pretas Hackers, que tem o objetivo de contribuir para que a internet modifique seus algoritmos, considerados racistas pela ativista. “Nós somos muito mais do que nos foi imposto e do espaço que a internet nos colocou. Somos pretas hackers, e queremos valorizar as diversas formas de existência que desenvolvemos ao logo dos anos para invadir espaços e ocupar lugares”, argumentou.

De acordo com dados do Atlas da Violência 2019, cerca de 66% das mulheres assassinadas no Brasil são negras. Para Joyce Melo, sobreviver num “sistema que mata mulheres negras todos os dias”, através da violência e opressão, já é desenvolver soluções inovadoras todos os dias. Ela ainda contou que a população negra feminina está criando cada vez mais redes de fortalecimento e políticas para se empoderarem. “Não queremos reforçar as violências e sim construir a contranarrativa, uma página [na internet] onde exista a valorização dessas mulheres e suas trajetórias”, finalizou.

Pensando nessas redes de fortalecimento entre mulheres afrodescendentes, a dupla ‘VisiOOnárias’ acredita que a música e o movimento hip-hop também têm um importante papel no combate ao racismo, já que esse tipo de arte sempre foi utilizado como forma de protesto, denúncia e empoderamento da população negra. A dupla, formada por Udi Santos, 27 anos, e Palozoona, 23, já se apresentou na Marcha do Julho das Pretas no ano passado cantando para cerca de três mil mulheres no Centro Histórico de Salvador.

Dupla VisiOOnárias já se apresentou na Marcha do Julho das Pretas no ano passado
Dupla ‘VisiOOnárias’ já se apresentou na Marcha do Julho das Pretas no ano passado

Uma das músicas mais cantadas pelo público presente na marcha, a canção “Tem Pra Trocar”, da dupla, fala sobre a união de forças entre as mulheres negras. “As demandas fluem bem melhor. Possuímos um poder incrível, realmente temos para trocar conhecimento, busca e afirmação da ancestralidade”, ressaltaram.