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Gasolina, dólar e inflação: os possíveis impactos do conflito Hamas-Israel no Brasil e no mundo

Escalada de violência no Oriente Médio pressiona preços do petróleo e combustíveis e acende alerta para a inflação em 2024

 

O conflito entre Israel e o grupo militante palestino Hamas já deixou centenas de mortos e começa a ter repercussões na economia mundial – o que deve ter efeitos também para o Brasil.

Nesta segunda-feira (9/10), as principais bolsas do mundo operam em queda e dólar e petróleo sobem, diante da cautela dos investidores com a escalada de violência no Oriente Médio.

Com o barril do petróleo sendo negociado acima dos US$ 85 e o dólar chegando a R$ 5,17, a principal preocupação dos economistas é com o efeito da guerra sobre a inflação no Brasil.

O cenário de instabilidade internacional também pode manter os juros altos nos Estados Unidos por mais tempo – o que tem efeito negativo para o câmbio e investimentos em países emergentes.

Tudo isso adiciona pressão para um 2024 que já deve ser desafiador, em meio aos possíveis efeitos do El Niño sobre a próxima safra agrícola brasileira e às incertezas nas contas públicas nacionais.

Preço dos combustíveis

“Qualquer conflito hoje afeta o mundo inteiro, principalmente quando mexe no preço do barril de petróleo”, diz André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

“Uma pressão em cima desse mercado aumenta a probabilidade de termos algum aumento do diesel e da gasolina daqui até o final do ano”, acrescenta.

“Isso significa que, para cada 1% de aumento da gasolina, o impacto na inflação ao consumidor é de 0,05 ponto percentual. Então um aumento de 5% na bomba, por exemplo, representaria um aumento na inflação de 0,25 ponto. Isso é inflação na veia”, afirma.

O IPCA-15, prévia da inflação oficial brasileira, chegou a 5% no acumulado de 12 meses até setembro, registrando o segundo mês de aceleração, após ir a uma mínima de 3,19% em julho.

No mês passado, a alta de preços já havia sido puxada pela gasolina, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Nesta segunda-feira, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, afirmou que o maior efeito da guerra deve ser sobre o diesel, mas que a empresa deve mitigar a volatilidade através de sua nova política de preços, que não segue mais automaticamente a paridade internacional.

“Isso vai mostrar como está dando certo a política atual de preços da Petrobras, ela deve mitigar esses efeitos”, disse Prates em evento no Rio de Janeiro.

Braz avalia, porém, que a empresa pode até adiar o reajuste, mas não conseguirá evitá-lo, caso o preço do petróleo se consolide em patamar mais elevado, em torno de U$ 95 por barril.

Esse, segundo ele, parece ser o cenário mais provável, diante da guerra e das restrições de oferta por parte da Rússia e da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).

Insumos industriais

Braz destaca, porém, que a alta do petróleo não afeta apenas os combustíveis, mas também uma série de outro derivados do óleo, como adubos, fertilizantes, químicos, querosene de aviação e resinas plásticas utilizadas como insumo pelas indústrias.

“O aumento dos combustíveis é um efeito mais rápido, mas à medida que o preço do petróleo se consolide num novo patamar tudo isso acaba subindo de preço e o destino é a inflação ao consumidor, à medida em que a indústria vê seus insumos mais caros”, diz Braz.

Garrafas plásticas de água em linha de produção industrial

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Legenda da foto,Alta do petróleo afeta itens como adubos, fertilizantes, químicos, querosene de aviação e resinas plásticas utilizadas como insumo pelas indústrias

“Você já começa a contratar uma pressão inflacionária que vai ser mais difícil de ser combatida em 2024, porque ela vem de uma pressão de custo, não de demanda”, observa.

Isso porque o principal instrumento do Banco Central para o controle da inflação é a taxa básica de juros (a Selic), que é usada como uma forma de controlar a oferta de crédito para empresas e famílias, esfriando ou aquecendo a economia.

Mas a taxa afeta a atividade pelo lado da demanda – o investimento no caso das empresas e o consumo, em se tratando das famílias –, tendo pouco efeito quando a inflação vem de uma pressão de oferta.

Braz observa que essa pressão para a inflação em 2024 já começa a se formar em diversos segmentos – como os alimentos, que pesam bastante para as famílias de menor renda.

“Há dúvidas sobre como o El Niño vai impactar a agricultura no ano que vem, então já temos essa pressão inflacionária no radar e agora vão se somando outras.”

E se o conflito se agravar?

Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, se o conflito se mantiver restrito aos territórios de Israel e palestinos (Faixa de Gaza e Cisjordânia), o efeito da guerra deverá se restringir à volatilidade do petróleo, com impacto menor para a economia mundial do que a guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022.

Vale observa que um risco maior nesse cenário será se a Opep decidir fazer algum movimento semelhante àquele observado na Guerra dos Seis Dias (1967) ou na Guerra do Yom Kippur (1973), quando os países árabes se uniram contra o apoio americano e europeu a Israel e impuseram corte na produção e embargo às exportações, elevando os preços do petróleo a recordes para aquela época.

Mas ele avalia que esse não é hoje o cenário mais provável.

Trabalhador em plataforma de petróleo da Aramco na Arábia Saudita

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,Há risco maior se Opep decidir elevar preços como em guerras passadas, mas esse cenário não é considerado hoje o mais provável, diz economista

Para o ano que vem, no entanto, Vale observa que o cenário de oferta restrita, estoques baixos e poucos investimentos novos no setor de petróleo se soma à questão política da eleição nos Estados Unidos.

“Aí pode haver interesse, tanto da Arábia Saudita, como da Rússia, de tentar prejudicar a eleição de [Joe] Biden ano que vem, forçando um preço de petróleo mais alto e trazendo repercussão de preço de combustível, inflação, taxa de juros e crescimento da economia americana, que prejudicaria o atual presidente na sua tentativa de reeleição”, avalia o analista.

O economista acrescenta que um cenário de entrada de atores como o Irã, Hezbollah e Arábia Saudita no conflito em Israel poderia mudar a escala da guerra. Mas ele também considera que esse não é o quadro mais verossímil neste momento.

Commodities agrícolas e risco de recessão nos EUA

Para as commodities agrícolas – principal item da pauta de exportação brasileira –, Vale acredita que o tamanho da safra no ano que vem e o desempenho das economias dos EUA e China são fatores mais importantes do que o conflito no Oriente Médio.

Joe Biden

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,‘Pode haver interesse, tanto da Arábia Saudita, como da Rússia, de tentar prejudicar a eleição de [Joe] Biden ano que vem’, avalia analista

“No caso americano, a grande complicação é uma economia que não para de crescer, o que pressiona a taxa de juros a ficar elevada por mais tempo e pode levar a um processo recessivo no ano que vem. É alta a probabilidade de isso acontecer”, diz Vale.

Isso geraria uma turbulência na economia mundial muito mais complexa, diz o economista, num cenário em que os EUA enfrentam um quadro fiscal desafiador e uma polarização política agressiva, que coloca indefinição para uma resposta mais coordenada a uma eventual situação de crise.

“Tudo isso pode trazer mais impacto para a economia mundial e brasileira no ano que vem do que estamos vendo agora em Israel”, conclui o economista.