Em depoimento ao juiz Sergio Moro como testemunha na ação que investiga doações ao Instituto Lula, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou mais de uma vez nesta quinta-feira que o ocupante do cargo de presidente da República não sabe necessariamente de tudo o que acontece em sua gestão. Por quase uma hora, o tucano respondeu a perguntas da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente do Instituto Lula, Paulo Okamoto, além do juiz Moro.
A primeira afirmação de FH de que um presidente não tem conhecimento pleno do que ocorre em seu governo foi feita após ele ser perguntado pela defesa de Lula se ele sabia que propinas eram pagas na Petrobras durante sua gestão. O ex-diretor da estatal Nestor Cerveró, em delação premiada, disse que recebeu vantagens indevidas nos anos 90, na gestão do PSDB.
— O presidente da República não pode saber o que está acontecendo com muitas pessoas. Eu nunca ouvi falar desse senhor — afirmou FH.
O mesmo argumento foi usado pelo ex-presidente quando perguntado pelo advogado de Lula se ele tomou conhecimento, quando estava na Presidência, da existência de um cartel de empresas atuando na Petrobras.
— Nunca soube de nenhuma carterização na Petrobras. Pode ter havido, mas o presidente da República não sabe de tudo que acontece.
Foi a primeira vez que FH prestou depoimento à Operação Lava-Jato. Num fórum em São Paulo, ele participou à distância da oitiva, comandada por Moro de Curitiba.
A ação penal investiga se a OAS usou doações ao Instituto Lula para transferir dinheiro de propina na Petrobras. Okamoto é acusado de lavagem de dinheiro na Lava-Jato, pelos pagamentos feitos pela OAS à Granero para armazenar itens do acervo do ex-presidente Lula. Já o ex-presidente petista é acusado de receber benefícios da empreiteira também com o tríplex no Guarujá, incluindo reformas e móveis planejados.
A intimação de FH foi um pedido da defesa de Okamoto. Quando o Instituto Lula foi criado, Okamoto procurou FH para obter informações sobre como o Insituto FHC havia sido viabilizado. A defesa de Lula aproveitou o comparecimento do tucano para questioná-lo sobre assuntos que extrapolaram a ação penal, como a relação de FH com o Congresso durante seu mandato, a formação da base de apoio, entre outros.
Durante o depoimento, FH disse que recebe doações de empresas para manter o acervo presidencial em seu instituto. Segundo ele, a instituição recorre à Lei Rouanet, que concede benefícios fiscais a companhias que apoiam atividades culturais ou históricas.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso será ouvido por Moro – Leo Martins / Agência O Globo
O ex-presidente negou que tenha recebido doações da construtora OAS, que, segundo o Ministério Público Federal (MPF), pagou R$ 1,3 milhão em propinas da Petrobras para manter o acervo do ex-presidente Lula, mas citou doações de outras empreiteiras investigadas pela Lava-Jato:
— Em geral, quem contribui no começo são pessoas das suas relações mais pessoais. Quem pode ter contribuído: a Odebrecht, a Camargo (Correa), o Banco Itaú, o Banco Safra, o Bradesco. Está tudo registrado lá (nas contas do instituto) — respondeu FH.
Para FH, se o presidente é uma pessoa “correta”, sai do cargo sem nenhuma condição de manter o acervo. Por lei, tudo o que um presidente recebe durante seu mandato é de sua responsabilidade e de interesse público.
— Não é um tesouro propriamente disso. A característica central desse acervo é que foi dado por alguém razoavelmente importante.
O juiz foi cerimonioso no tratamento a FH e chegou a pedir desculpas ao tucano ao elaborar uma das questões que fez ao depoente.
— Peço até escusas por te perguntar isso, mas pode ter alguma relevância. Foram recebidas em alguma oportunidade doações não registradas, por fora ou às escondidas para a manutenção do seu instituto? — perguntou Moro.
FH respondeu que não.
Fonte : O Globo
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