O novo capítulo da vida da professora Marília* começou em fevereiro de 2017, no início de mais um ano letivo. Foi quando a rotina se tornou um fardo, a alegria foi intimidada por uma ausência de vitalidade desconhecida. Não compreendia os próprios sentimentos e fingia normalidade. Silenciosamente, no entanto, chorava e amaldiçoava a própria existência. No dia 10 de junho, desabou. Levada de casa até o hospital por uma ambulância, experiência inédita nos seus 55 anos de vida, descobriu dias depois o porquê de tudo aquilo: tinha depressão.
A doença, caracterizada por alterações no metabolismo de substâncias cerebrais que regulam o humor, foi uma surpresa para o marido e os dois filhos de Marília. Na Bahia, outras 427 mil pessoas têm depressão, segundo levantamento da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), em 2013. Em 2017, ano da estatística mais recente, foram 21,3 mil atendimentos ambulatoriais ou internações provocadas pela doença, de acordo com o Ministério da Saúde. Marília, a mais alegre entre parentes e amigos, não estava sozinha, afinal.
A faixa etária em que a professora se encontra, pelo contrário, registra a maior incidência da doença: 7,2 milhões de brasileiros, sendo 253 mil baianos, de 30 a 59 anos, têm depressão. (Veja no final da reportagem onde buscar ajuda em Salvador).
Maioria feminina
As mulheres também são as mais afetadas pela doença: a cada cinco pessoas diagnosticadas com a doença, quatro são mulheres e um homem. A comunidade científica ainda não compreende as razões disso, mas alguns membros arriscam palpites – fundamentados no convívio com pacientes e em análises sociais.
É nessa fase da vida, por exemplo, que as obrigações começam a mudar. “Quando há confronto com o mundo da responsabilidade, observamos uma postura paralisante e apática diante do próprio desejo”, explica a psicóloga Caroline Severo, coordenadora da residência terapêutica da clínica de psiquiatria e saúde mental Holiste.
Já a disseminação da doença entre as mulheres parece ser reflexo de aspectos socioculturais. “Os homens tendem a não demonstrar, retêm mais as coisas. Mas, tenho observado que isso tem mudado”, comenta a psicóloga.
Foto: Paulo Macedo/Arquivo CORREIO |
Consequências
Sem definições específicas, a doença é como uma injeção diária de indisposição, irritabilidade ou tristeza, primeiros sinais a serem observados em suspeitas de que algo não vai bem. “Geralmente, ela também traz alterações na capacidade de concentração e alterações das percepções sobre si”, explica Sandra Peu, diretora da Associação Psiquiátrica da Bahia.
As consequências da doença variam da piora dos relacionamentos interpessoais à perda ou ganho excessivo de peso. Em casos mais graves, a rebelião interna pode ser tão intensa a ponto de o suicídio parecer uma opção.
As primeiras perguntas a serem feitas para detectar prováveis transtornos depressivos e iniciar o tratamento o quanto antes são: você tem se sentido para baixo, sem esperança? Passou a ter pouco interesse ou pouco prazer de fazer as coisas?
Respostas afirmativas mostram que é preciso buscar ajuda de um psicólogo ou um psiquiatra. Mas, mesmo assim, essas respostas não são provas cabais da depressão. Somente clínicos gerais, psiquiatras e psicólogos estão aptos a diagnosticar a doença.
Um dos motivos é que a depressão, muitas vezes, é confundida com o Transtorno de Ansiedade Generalizada. Ou seja, responder sim às perguntas é apenas um indicativo.
A psiquiatra Rosa Garcia faz a diferenciação. “A ansiedade está mais relacionada com o pânico, a antecipação do sofrimento. Já a depressão vem com perda de interesse, do prazer”, detalha a doutora em Medicina e Saúde.
Hereditariedade
Os amigos e colegas não notavam o sofrimento de Marília. No caso da estudante de Jornalismo Vitória Croda, 20, e da técnica administrativa Júlia*, algo parecido, mas com um adicional: os parentes rejeitavam a doença.
“No início, foi difícil minha mãe entender que eu tinha depressão. Depois de um tempo, ela entendeu o que era. É uma doença: assim como você tem gripe, você pode ter depressão”, relembra a universitária, diagnosticada aos 17 anos. No caso de Júlia, a mãe chegou a dizer que, em sua família, “não tinha isso de depressão”.
Casos como os de Vitória e Júlia são bastante comuns na fase de diagnóstico da doença. Mas, no fundo, a própria negação pode ter motivo. “Se a depressão me mobiliza, não me deixar confortável, isso pode mostrar que algo em mim também não está bem”, explica a psiquiatra Rosa Garcia. Geralmente, explica a médica, a doença é hereditária. É comum que na família de um deprimido existam outros. Em todo caso, a depressão precisa ser tratada.
Tratamento correto
O tratamento da doença costuma acontecer em duas frentes: o uso de antidepressivos, medicamentos que ajudam a regular taxa de hormônios e, assim, podem melhorar o quadro clínico, e a terapia. “A depressão precisa ser tratada com antidepressivos. Evidentemente, analisando cada caso”, diz o psiquiatra e presidente da Associação Psiquiátrica do Brasil Antônio Geraldo da Silva.
A escolha do tratamento adequado é guiada pela Política Nacional da Saúde. Na Bahia, não há uma política estadual específica, mas a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) oferece, nos 21 centros de saúde mental, quatro medicamentos (Amitriptilina, Clomipramina, Fluoxetina e Nortriptilina) e consultas gratuitas, mediante apresentação da carteira do SUS, receita médica atualizada e documento de identificação com foto. Os endereços e os termos do atendimento podem ser consultados no site da secretaria.
Remédio ou terapia: o que ajuda mais?
O uso de antidepressivos é um ponto de tensionamento entre psiquiatras e psicólogos. Enquanto doença – que pode se manifestar também no físico do paciente, por meio de dores no corpo –, remédios são essenciais e a cura pode ser alcançada. Mas, em quais casos é preciso recorrer a eles e qual é a quantidade necessária? Aí reside a questão, cuja resposta costuma variar.
O problema é o excesso, defende Marcelo Veras, psiquiatra e autor do livro A Loucura Entre Nós – que inspirou o filme homônimo gravado em Salvador e lançado em 2015. “Hoje em dia, a depressão é um nicho enorme para medicamentação. Nem sempre, a pessoa está depressiva, ela pode estar em reação de luto, de tristeza”, esclarece. Justamente para evitar consequências negativas, foi criado o Teste Farmacogenético do Sistema Nervoso Central.
A partir da coleta da saliva, é possível prever se o medicamento prescrito pode causar reações adversas e se a dosagem é adequada, o que evita excessos. O procedimento custa R$ 3,9 mil e é oferecido em apenas uma clínica de Salvador – a Holiste, em Pituaçu.
No campo da terapia, a logoterapia tem se destacado no tratamento da doença. Criada por Viktor Frankl após a Segunda Guerra Mundial, a logoterapia chegou à cidade apenas na última década.
A terapia, uma das correntes da psicoterapia, ajuda o depressivo a encontrar o significado da vida. Complexo apenas na descrição. “O tratamento acontece na base do sentido do encontro, o encontro do sentido. Tratamos das questões existenciais que não estão em evidência. Trabalhamos com o despertar de dons, potenciais, da liberdade”, define a psicóloga Rebeca Pina.
Também tem se tornado cada vez mais recorrente, e comprovada, a eficácia da alimentação adequada e de exercícios físicos no tratamento da doença. A dupla, explica a nutricionista ortomolecular Karine Lins, contribui para elevar o nível de hormônios como a endorfina, associada ao prazer, e a serotonina, reguladora do humor e do sono. Romper o estigma, no final das contas, é o que vale. E o resultado pode ser transformador.
Lista de locais que oferecem apoio e tratamento em Salvador
Lar Harmonia: Oferece psicoterapia individual, em grupo ou familiar. Rua Deputado Paulo Jacson, nº 560, Piatã. Gratuito.
Centro de Valorização da Vida (CVV): Oferece, online, apoio emocional. Funciona na Rua Luis Gama, n° 47, Nazaré, e atende nos telefones 3322-4111 ou no 3244-6936 por 24 horas.
Instituto Multidisciplinar de Assistência à Saúde do Centro Universitário Jorge Amado: Oferece apoio psicológico, no endereço Avenida Edgard Santos, Narandiba, Salvador. Telefone: 3103-3900.
Universidade Federal da Bahia (Ufba): Oferece tratamento psicológico e terapia gratuitos na Estrada de São Lázaro n° 170, São Lázaro. Tel.: 3235-4589.
Faculdade Bahiana de Medicina e Saúde Pública: Oferece gratuitamente sessões com psicólogos na Avenida Dom João VI, n° 275, em Brotas. Tel.: 3276-8259.
Instituto Junguiano da Bahia (IJBA): Sessões de terapia junguiana, baseada no inconsciente humano, na Avenida Dom João Alameda Bons Ares, nº 15, Candeal. Tel.: 3356-1645.
Centro de Estudos de Família e Casal: Psicoterapia individual e familiar no Edifício WM, Parque Lucaia. Tel.: 3334-3150.
Faculdade de Tecnologia e Ciência (FTC): Psicoterapia individual, grupal e familiar na Av. Paralela, 8812. Tel.: 3281-8073.
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