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Arqueólogos encontram primeiras ossadas no cemitério de escravizados em Salvador

Os arqueólogos que trabalham no antigo cemitério de escravizados, descoberto no estacionamento do Complexo da Pupileira, no bairro de Nazaré, em Salvador, encontraram as primeiras ossadas presentes no local. A descoberta foi divulgada nesta segunda-feira (26), durante uma coletiva de imprensa na sede do Ministério Público da Bahia.

 

Conforme explicado pela pesquisadora e arqueóloga Jeanne Dias, que coordenou o projeto Levantamento Arqueológico na Área do Antigo Cemitério do Campo da Pólvora, as ossadas poderão auxiliar no aprofundamento dos estudos e na reconstrução histórica, cultural e espiritual de um local apagado por 180 anos. A pesquisadora comemorou a conquista, que contribui para o entendimento dessas comunidades negras que remontam a história da Bahia e do Brasil.

 

“Estamos muito felizes com a localização das ossadas dos remanescentes das comunidades negras, no antigo Cemitério do Campo da Pólvora. […] Poder discutir, falar, debater um pouco sobre a trajetória e a vida dessas comunidades, que foram trazidas de maneira forçada da África para trabalhar no Brasil, sendo escravizadas aqui, e das outras populações marginalizadas”, destacou.

 

Os primeiros restos mortais encontrados são ossos largos e dentes. Fotos não foram divulgadas já que os artefatos são um patrimônio sensível para a sociedade.

 

O material estava enterrado a cerca de 2,5 metros de profundidade e encontrado em um terreno ácido e úmido. Diante disso, as ossadas estavam frágeis e passarão por um tratamento de conservação. Com a descoberta, os pesquisadores conseguiram confirmar a existência do maior cemitério de escravizados da América Latina, onde podem estar enterrados os restos mortais de mártires das Revoltas do Malês e da Revolta dos Búzios.

 

Os primeiros vestígios de pessoas enterradas no cemitério de escravizados foram encontrados no último dia 16. Os pequenos fragmentos são do século 19 e podem ajudar a localizar as pessoas enterradas no local.

 

Conforme a arqueóloga e coordenadora do projeto que investiga a área, Jeanne Dias, a equipe precisou enfrentar as chuvas, que deixaram o solo encharcado, para chegar às camadas arqueológicas do solo.

Primeiros vestígios são encontrados em cemitério de escravizados na Pupileira, em Salvador — Foto: Divulgação G1 Bahia

 

“Nosso objetivo é localizar vestígios remanescentes ósseos dos antigos escravizados e de outras pessoas que foram enterradas nessa antiga área da cidade, no antigo cemitério do Campo da Pólvora”, explica.

As escavações no cemitério começaram no dia 14 de maio, data que marcou os 190 anos da Revolta dos Malês, que aconteceu em Salvador, em 1835. O marco histórico é caracterizado como o maior levante de escravizados da Bahia e está diretamente ligada a descoberta do sítio arqueológico.

 

A localização do cemitério foi descoberta durante a pesquisa de doutorado da arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, formada pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Na análise da pesquisadora, há a possibilidade de que os mártires da revolta dos Malês estejam no cemitério, assim como pessoas que participaram da Revolta dos Búzios e da Revolução Pernambucana, ocorridas em 1798 e 1817, respectivamente.

 

Ainda segundo os registros levantados pela pesquisadora, indígenas, integrantes da comunidade cigana e pessoas que não tinham como custear o enterro também tiveram os corpos descartados no local. O número total de corpos na área ainda é desconhecido.

 

A pesquisadora arquiteta e urbanista Silvana Olivieri utilizou como fonte diversos mapas e plantas de Salvador, do século 18, para chegar até a localização do cemitério. Ela também leu artigos dos historiadores Braz do Amaral (1917) e Consuelo Pondé de Sena (1981), e um livro escrito em 1862 por Antônio Joaquim Damázio, contador da Santa Casa.

 

O cemitério foi inicialmente administrado pela Câmara Municipal e, em seguida, passou a ser de responsabilidade da Santa Casa. Registros históricos apontam 150 anos de atividade até 1844, quando a instituição comprou e começou a operar o Cemitério Campo Santo, localizado no bairro da Federação.

 

“Os sepultamentos eram realizados em valas comuns e superficiais, geralmente em condições bastante precárias e indignas, sem nenhuma cerimônia religiosa ou rito fúnebre, nem há registro de capela”, apontou SIlvana.

A descoberta foi apresentada para a Santa Casa em setembro de 2024, durante reunião com a presença do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mas não houve retorno. Em dezembro, a pesquisadora e o advogado e professor de Direto da Ufba, Samuel Vida, recorreram ao Ministério Público da Bahia (MP-BA), que intermediou a conciliação. Em março deste ano, a escavação foi liberada.

 

“O cemitério sofreu um apagamento histórico, desaparecendo tanto da paisagem visível como da memória da cidade”, disse a pesquisadora.

 

G1 bahia