O acordo de leniência (espécie de delação premiada para empresas) da Odebrecht obriga o grupo a entregar, até o fim de janeiro, à força-tarefa da Operação Lava Jato, o total de doações oficiais e de pagamentos de propinas e caixa-2 nas eleições dos últimos 16 anos – período que abrange as últimas quatro disputas presidenciais e de governadores, e as últimas cinco eleições municipais. É o que estabelece o inciso XIV, da cláusula 6.ª, que estipula as obrigações da colaboradora no acordo fechado com o Ministério Público Federal, ao qual o Estadão teve acesso.
O documento, com 26 páginas, foi assinado no dia 1º de dezembro e protocolado nesta sexta-feira, 20, na Justiça Federal, em Curitiba, em uma ação cível em que a Odebrecht é alvo.
O acordo de leniência é assinado por 26 procuradores da República, de Curitiba e de Brasília, e deve ser homologado pelo juiz Sérgio Moro – que ainda não recebeu o documento. O termo já foi homologado pela 5.ª Câmara de Coordenação e Revisão, órgão do Ministério Público competente para analisar o ajuste.
A Lava Jato aponta desvio de mais de R$ 40 bilhões na Petrobrás, entre 2004 e 2014, por empreiteiras que agiram cartelizadas e em conluio com políticos – em especial do PT, PMDB e PP – e agentes públicos. Além de enriquecimento ilícito, o esquema teria patrocinado ilegalmente partidos e campanhas eleitorais – não só da base dos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014 e 2015-2016), mas da oposição, como o PSDB
No acordo de leniência, que tem como finalidade instruir investigações de improbidade administrativa, em especial relativas a crimes contra a administração pública e o sistema financeiro, crimes de lavagem de dinheiro e crimes fiscais, a Odebrecht assume 22 obrigações com o Ministério Público, para obter os benefícios de colaboradora.
Com o maior volume de contratos na Petrobrás – são R$ 35 bilhões em negócios fechados em dez anos sob análise, sem contar Braskem, braço petroquímico da empreiteira -, a Odebrecht confessou fraudes em contratos, pagamentos de propinas, lavagem de dinheiro.
Pelos termos do pacto, o grupo declara que ‘cessou seus envolvimento nos fatos ilícitos descritos’ e que qualquer informação falta ou descumprimento de suas cláusulas resulta no rompimento do termo.
O presidente afastado do grupo, Marcelo Bahia Odebrecht, está preso desde 19 de junho de 2015, em Curitiba, e deve ser solto no final do ano, graças a seu acordo de delação premiada, feito na esfera criminal e que aguarda homologação no Supremo Tribunal Federal (STF). A morte trágica do relator da Lava Jato, ministro Teori Zavascki, nesta quinta-feira, 19, pode atrasar a conclusão do acordo.
Eleitoral. O termo de leniência estipula que ‘no prazo de 60 dias a contar da assinatura’ da leniência, será entregue ‘uma lista consolidada de cada uma das doações eleitorais feitas pelo Grupo Odebrecht nos últimos 16 anos, com a indicação mínima de valor, data, beneficiário e autorizados do pagamento, devendo indicar eventual indisponibilidade desses dados’.
O grupo tem que entregar também ‘uma lista consolidada com de beneficiários de pagamentos de vantagens indevidas que tenham atualmente prerrogativa de foro por função’.
Na relação, há nomes do PT, do PMDB e do PSDB, como também de ministros do governo Michel Temer, governadores, prefeitos, senadores e deputados.
Os dados sobre irregularidades nas campanhas interessam à força-tarefa da Lava Jato, que prepara ações cíveis para acionar os partidos pelo prejuízo causado à Petrobrás.
As informações da Odebrecht são ainda de interesse do Tribunal Superior Eleitoral, que tem um processo de reanálise das contas da campanha da ex-presidente Dilma, de 2014.
Lavagem. O acordo estipula ainda que em um prazo de 90 dias – a contar da homologação da leniência pela 13.ª Vara Federal, em Curitiba, pelo juiz Moro –, a Odebrecht tem que entregar ao Ministério Público a ‘identificação das empresas e contas bancárias no exterior utilizadas em conexão com os fatos ilícitos revelado neste Acordo e respectivos saldos, bem como apresentar, mediante demanda, extratos e documentos das operações’.
A rede de offshores e contas usadas pela Odebrecht no exterior foi um dos primeiros elementos de provas que pesou nas acusações criminais da Lava Jato, antes da descoberta, em março de 2016, do funcionamento do Setor de Operações Estruturadas do grupo, como um departamento de propinas oficial da empreiteira. São contas de empresas que só existem no papel abertas em paraísos fiscais, como Panamá, Suíça, Uruguai, Ilhas Virgens.
Pela leniência, a empresa tem que apresentar às autoridades relatórios detalhados dos ilícitos, com nomes das pessoas e empresas envolvidas, ‘inclusive agentes políticos, funcionários públicos, sócios, diretores e funcionários de outras empresas’, descrevendo suas condutas.
A Odebrecht se compromete ainda a entregar os documentos e informações sobre provas referentes aos crimes narrados nos anexos – que não foram tornados públicos.
“Apresentar relatórios para cada fato ilícito identificado”, registra o acordo. “Os quais deverão compreender a narrativa detalhada das condutas e a consolidação de todas as provas relacionadas a cada fato, englobando as provas documentais colhidas no âmbito de investigações internas, as provas colhidas na investigação oficial a que tenham acesso e, na medida de seu alcance, depoimentos de aderentes ou de prepostos relacionados aos ilícitos que são objeto deste acordo.”
Valor. O acordo de leniência prevê que a Odebrecht pague R$ 3,28 bilhões pelos danos materiais e imateriais causados por crimes praticados em contratos públicos, dos governos federal, estaduais e municipais.
Segundo a cláusula 7.ª, o valor global a ser pago será dividido entre Brasil, Estados Unidos e Suíça, países que integram o acordo de leniência, numa proporção de 80%, 10% e 10% para cada, respectivamente. O valor a ser pago pela Braskem, braço petroquímico do grupo, em sociedade com a Petrobrás, não está incluído nesse acordo.
O montante será quitado ao longo de 22 anos e com valores corrigidos pela taxa Selic. “A somatória das parcelas do Valor Global, após a aplicação de estimativa de projeção de variação da Selic, resulta no valor estimado de R$ 8.512 bilhões, o qual, se convertido à taxa de câmbio de USD 1,00 = R$ 3,27, corresponde a aproximadamente USD 2.6 bilhões”, prevê o acordo.
Do valor pago no Brasil, 97,5% são para ‘fins de ressarcimento dos danos materiais e imateriais causados pelos fatos e condutas ilícitas’ objeto do acordo aos órgãos de governo brasileiros. E 2,5% pelo prejuízo relacionado à prática de crimes de lavagem de dinheiro.
Benefícios. O acordo tem regras que garantem que a empresa não quebre, com os valores que ela terá que desembolsar para ressarcir os danos e como multa pelos crimes, e também não fique impedida de fazer novas contratações ou com bens bloqueados.
Diferente do acordo de colaboração premiada, que é feito por pessoas físicas envolvidas em crimes, a leniência envolve a empresa e funcionários e pessoas ligadas a elas, que são consideradas figuras sem mando ou participação ativa no esquema.
O acordo de delação da Odebrecht envolve 77 executivos e ex-executivos que confessaram crimes e respondem a processos penais. Na esfera cível, a abrangência da pena é monetária e administrativa.
Entre os benefícios do acordo de leniência, uma das finalidades é “preservar a própria existência da empresa e a continuidade de suas atividades”. “Apesar dos ilícitos confessados, encontra justificativa em obter os valores necessários à reparação dos ilícitos perpetrados.”
Uma das finalidades do acordo é ‘assegurar a adequação e efetividade das práticas de integridade da empresa, prevenindo a ocorrência de ilícitos e privilegiando em grau máximo a ética e transparência na condução de seus negócios’.
Fonte:Estadão
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